‘Máfia dos concursos’: entenda como era o esquema que cobrava até R$ 500 mil por vaga
A Polícia Federal (PF), em operação deflagrada na última semana, revelou revelou um esquema de fraudes em concursos públicos que funcionava como uma empresa familiar. O grupo, com base em Patos, no Sertão da Paraíba, cobrava até R$ 500 mil por vaga.
Segundo as investigações, o grupo usava tecnologia para burlar os sistemas de segurança das bancas, incluindo dublês, pontos eletrônicos implantados cirurgicamente e comunicação em tempo real durante as provas. Os valores exigidos variavam conforme o cargo e o grau de dificuldade do concurso. Os pagamentos podiam ser feitos em dinheiro vivo, ouro, veículos e até procedimentos odontológicos.
O esquema, de acordo com a PF, era liderado por Wanderlan Limeira de Sousa, ex-policial militar expulso da corporação em 2021. Ele é apontado como o principal articulador da quadrilha, responsável por negociar com candidatos, coordenar a logística das provas e distribuir os gabaritos. Wanderlan tem uma ficha criminal extensa, que inclui homicídio, peculato, concussão, roubo majorado, abuso de autoridade e uso de documento falso.
O esquema ocorria há mais de uma década, com a venda de aprovações, corrupção de agentes de fiscalização e mecanismos sofisticados de fraude e falsificação para garantir cargos de alto escalão. As fraudes fraudes alcançaram concursos da Polícia Federal, Caixa Econômica Federal, Polícias Civil e Militar, Universidade Federal da Paraíba (UFPB), Banco do Brasil e até o Concurso Nacional Unificado (CNU).
Líder do esquema
Segundo a PF, Wanderlan Limeira de Sousa, líder do esquema, em 2021, chegou a prestar concurso na Previdência Social, tendo sido aprovado como técnico do Seguro Social. A PF não identificou a participação de Wanderlan em nenhum concurso em 2023, mas indicou que ele voltou a fazer provas em 2024, prestando para o concurso do Banco do Brasil e do próprio CNU.
Ainda segundo a PF, Wanderlan teria se inscrito no CNU apenas para provar aos “clientes” que o sistema de fraude era eficiente. Ele foi aprovado para o cargo de auditor fiscal do trabalho, que tem o maior salário inicial, de R$ 22,9 mil. Após o resultado, não compareceu ao curso de formação.
Em um áudio logo após o adiamento do CNU, Wanderlan conversa com o filho, Wanderson Gabriel Limeira de Souza, que seria o responsável pela execução técnica e mentor das fraudes: “Você esqueceu que tem o CNU, meu filho. A nossa comissão vai ser lá no CNU. Vou batalhar pra nós, ver se ‘nós consegue’ na ‘poiva’ (dinheiro).”
Wanderlan contava com o apoio de familiares: os irmãos Valmir Limeira de Sousa e Antônio Limeira das Neves, a cunhada Geórgia de Oliveira Neves e a sobrinha Larissa de Oliveira Neves ocupavam funções distintas dentro da estrutura. Larissa, por exemplo, também foi aprovada no CNU e, segundo os investigadores, era usada como “vitrine” para atrair novos interessados.
A PF identificou outros possíveis integrantes da organização. Entre eles, Ariosvaldo Lucena de Sousa Júnior, policial militar no Rio Grande do Norte e dono de uma clínica odontológica suspeita de ser usada para lavagem de dinheiro, e Thyago José de Andrade, conhecido como “Negão”, apontado como uma das pessoas que controlava os pagamentos do esquema e responsável por repassar as informações sobre a fraude para os candidatos.
Thyago teria emprestado R$ 400 mil para Antônio Limeira (irmão de Wanderlan), para pagar a fraude que garantiu a aprovação de Larissa (filha de Antônio). A companheira de Thyago, Laís Giselly Nunes, também é apontada como uma das possíveis beneficiadas das fraudes. A mais recente aprovação de Laís é no Tribunal de Contas do Estado (TCE-PE), que suspendeu o resultado do concurso público divulgado nesta semana.
Luiz Paulo Silva dos Santos, com histórico extenso de participação em fraudes de concursos, é suspeito de envolvimento em mais de 67 certames.
Evidências
A PF reuniu várias evidências do esquema. Uma delas está na análise dos gabaritos do CNU 2024, organizado pela Fundação Cesgranrio. Quatro candidatos, Wanderlan, Valmir, Larissa e Ariosvaldo, apresentaram respostas idênticas, inclusive nos erros, apesar de terem feito provas de tipos diferentes.
Grupo usava tecnologia para burlar os sistemas de segurança das bancas, incluindo dublês, pontos eletrônicos implantados cirurgicamente e comunicação em tempo real durante as provas
O laudo técnico aponta que a probabilidade de que tal padrão ocorra por acaso equivale à chance de ganhar o prêmio máximo da Mega-Sena aproximadamente 18 a 19 vezes consecutivas. O esquema usava pontos eletrônicos, mensagens codificadas e comunicação externa para repassar as respostas durante o exame.
Até o momento do deferimento das medidas cautelares, nenhum dos principais investigados por fraude CNU havia tomado posse. A PF identificou, ainda, movimentações financeiras incompatíveis com a renda dos suspeitos. Dentre outras coisas, o grupo teria recorrido à compra e venda fictícia de imóveis, feito o uso de “laranjas” e negociações de veículos para mascarar o pagamento de propinas.
A investigação identificou a atuação do grupo em dezenas de concursos públicos entre 2015 e 2025. Pelo menos dez pessoas foram apontadas pela investigação como beneficiárias do esquema de fraudes no Concurso Nacional Unificado (CNU) de 2024.
As apurações culminaram na Operação Última Fase, deflagrada pela Polícia Federal na última quinta-feira (2), com mandados de prisão e busca e apreensão contra os principais investigados. Três pessoas foram presas preventivamente, duas em Recife (PE) e uma em Patos (PB).
Posicionamentos
O Ministério da Gestão e da Inovação em Serviços Públicos informou que tem acompanhado e apoiado as investigações da Polícia Federal sobre as fraudes em concursos públicos. “O trabalho da Polícia Federal está em andamento e o MGI está cumprindo integralmente todas as determinações judiciais a respeito do caso e aguarda os desdobramentos da operação para adotar, se necessário, novas medidas administrativas cabíveis em relação aos envolvidos”, diz a nota.
A defesa de Ariosvaldo Lucena de Sousa Júnior nega as acusações relacionadas à suposta fraude no Concurso Nacional Unificado (CNU). Segundo a defesa, não há qualquer vínculo entre o investigado e os fatos apontados, que se baseiam apenas em indícios.
“A defesa afirma que, com o acesso integral aos autos e durante a instrução processual, será comprovada a inocência de Ariosvaldo, com pleno respeito ao devido processo legal, à ampla defesa e ao contraditório, conforme prevê a legislação vigente”.
Fonte: ICL Notícias