Gol de Paulinho contra a Sérvia pode cair no Enem? Professores explicam
Para os vestibulandos que amam futebol e odeiam física, a dica na hora da prova é gravar o movimento da bola chutada por Paulinho na memória, e esquecer a curva criada por Coutinho.
A eliminação do Brasil na Copa do Mundo da Rússia deixou lições ao treinador Tite e à Confederação Brasileira de Futebol (CBF), mas os feitos da seleção canarinha em campo também podem ensinar muito aos estudantes, especialmente se eles estão se preparando para o vestibular.
A principal lição na hora de estudar física é: esqueça o golaço que Philippe Coutinho fez na partida de estreia do Brasil contra a Suíça. Ele foi eleito pela Fifa o mais bonito da primeira fase da Copa do Mundo da Rússia, onde os 32 times marcaram um total de 122 gols em 48 jogos da primeira fase, mas é a física por trás do gol de Paulinho contra a Sérvia que tem mais probabilidade de aparecer nas provas.
O motivo é simples: o movimento feito pela bola quando Paulinho encobriu o goleiro sérvio se trata de um lançamento oblíquo, um dos assuntos frequentes das questões de física do vestibular.
Já a curva lateral que Coutinho imprimiu em seu chute é na verdade o que os físicos chamam de “efeito Magnus”, um assunto que é complexo demais para estudantes do ensino médio e, portanto, que não é pedido nas provas da Fuvest, do Enem e de outros vestibulares.
Para explicar como o lançamento oblíquo aparece nas provas e como alguns gols da Copa podem ajudar a acertar a questão, o G1 ouviu:
Emico Okuno, professora de física da Universidade de São Paulo (USP), autora de livros didáticos e co-autora, ao lado do também professor Marcos Duarte, do livro “Física do futebol” (Editora Oficina de Textos)
Kevork Soghomonian, professor de física do Cursinho Hexag, autor de livros didáticos e consultor e corretor de vestibulares
“É uma questão muito complicada, como a bola de repente faz uma curva”, explicou Emico, que hoje tem 81 anos e é santista desde a época de Pelé, ao G1, sobre o chute de Coutinho.
Já o corintiano Kevork explica que o lançamento oblíquo aparece bastante nos vestibulares porque ele exige dos candidatos uma série de conhecimentos típicos da física do ensino médio, mais especificamente da cinemática. Por isso, apesar de ser praticamente impossíve o gol em si cair na prova – afinal, as questões do Enem 2018 costumam ser definidas antes da Copa –, o conceito por trás dele é o mesmo.
Veja a lista de assuntos a estudar para ir bem nessa área, segundo o professor:
vetores
cinemática vetorial
conceitos preliminares de física (partícula, trajetória, posição, deslocamento escalar e referencial)
velocidade média
Movimento Retilíneo Uniforme (MRU)
Movimento Retilíneo Uniformemente Variado (MRUV)
queda livre e lançamento vertical
lançamento horizontal
lançamento oblíquo
No caso do lançamento oblíquo, Kevork diz que as questões pedidas pelas universidades e na prova de ciências da natureza do Enem costumam trazer exemplos inspirados na vida real, como um jato d’água de uma mangueira, o lançamento de uma pedra do topo de um edifício e movimentos existentes em vários esportes, como o corte da bola na rede do vôlei e o lançamento de um martelo.
Em todos os casos, o objeto lançado faz uma trajetória curva conhecida por vários nomes, como parábola, elipse ou hipérbole. “Inclusive a reta é uma curva”, explica o professor. “É uma curva de raio infinito.”
Cinco opções de enunciado
Kevork indicou que, geralmente, são cinco as propostas típicas de um enunciado de vestibular envolvendo o lançamento oblíquo:
altura máxima que a bola atingiu
alcance da bola em linha reta
a velocidade média em que a bola foi chutada
o ângulo formado pelo chute e o início da trajetória
o tempo total que a bola levou viajando (ou seja, o “tempo de queda”)
Veja, no chute de Paulinho, que dados uma questão de vestibular tem mais chance de exigir:
Teste seus conhecimentos
Veja, a seguir, exemplos de três questões de vestibular envolvendo lances de futebol (fictícios ou reais, incluindo o “gol que Pelé não fez”) e quais conhecimentos elas pediram (as respostas estão no fim da reportagem):
Tendência dos vestibulares
A cinemática é uma das três áreas da mecânica. As outras duas são dinâmica e estática e, segundo Kevork, cada vez mais os vestibulares procuram mesclar as áreas.
O professor do Hexag cita uma possibilidade de questão usando o gol de Paulinho e extrapolando os conhecimentos de cinemática:
“Eles pegariam esse lance do Paulinho e citariam no vestibular, é como se fosse um lançamento oblíquo. E dá para juntar energia, por exemplo. Poderiam pedir energia, a Segunda Lei de Newton, que é dinâmica”, diz ele.
(A segunda lei de Isaac Newton calcula a força que atua sobre um corpo multiplicando a massa desse corpo e a aceleração que ele adquire; se a massa do corpo for constante, quanto maior a força, maior a aceleração.)
O efeito Magnus
Essa mescla de subáreas de física pode aparecer no vestibular, mas Kevork descarta o aparecimento de questões inspiradas no gol de Coutinho e em outros gols históricos do tipo, como o de Roberto Carlos, em 1997, contra a França, que já rendeu até palestras sobre o efeito Magnus.
Segundo Emico, o “jogo de forças” nessa caso é uma questão complicada demais para o ensino médio.
“A força de impulso é dada pelo chute do pé do jogador, que vai impulsionar a bola para a direção do gol. A força de sustentação seria a questão de atrito com o ar”, explica ela.
Mas existe ainda a questão da rotação da bola sobre o próprio eixo. “Várias vezes o jogador chuta sem rotação e faz gol, mas essa com rotação é complicada, porque a bola faz rotação e de repente faz uma curva e faz gol.”
Aproximar a física dos jovens
O uso do futebol para ensinar física foi uma ideia que surgiu quando Emico e o colega Marcos Duarte produziram uma série de textos que aproximassem os jovens de conceitos da física. A professora da USP, que começou a estudar física em 1957,
O resultado foi o livro “A física no futebol”, lançado em 2012 com prefácio do ex-jogador e comentaria Tostão e do físico Marcelo Gleiser. A obra depois foi traduzida para o italiano – com direito a prefácio de Roberto Baggio.
“É para jovens que odeiam física, que acham que a física não serve para nada, e que adoram futebol. É tentar ensinar como a física pode ajudar no entendimento de uma série de coisas ligadas ao futebol. A física tem tudo a ver com o futebol”, diz Emico.
No livro, os dois autores explicam os temas da física do primeiro ano do ensino médio usando apenas exemplos ligados ao futebol.
Há, por exemplo, um capítulo dedicado apenas à evolução da bola que, segundo ela, a cada ano é alterada para dificultar ainda mais a vida dos goleiros. A difícil decisão dos goleiros na hora de escolher um lado numa cobrança de pênalti é outro dos temas do livro.
Fonte: G1.com.br