Por que executivos de alto escalão trapaceiam e políticos roubam?
Com os recentes episódios envolvendo o presidente da Renaul-Nissan, o governador do Rio de Janeiro e diversos outros políticos, empresários e executivos envolvidos em esquemas de corrupção, muitas pessoas se perguntam os motivos pelos quais pessoas poderosas se comportam desta forma. A ciência já sabe – faz tempo.
Em 2008, a cientista da Harvard, Francesca Gino, em conjunto com seu colega Lamar Pierce da Washington University, realizaram um experimento científico onde alunos de uma universidade deveriam realizar uma tarefa em troca de incentivos financeiros relacionados a sua performance. Ao entrarem na sala, alguns alunos eram expostos a uma pilha de notas totalizando US$ 24,00 enquanto outro grupo era exposto a diversas pilhas de dinheiro, que somavam US$ 7.000,00. Posteriormente, os alunos deveriam corrigir sozinhos os seus testes e pegar o dinheiro correspondente ao seu número de acertos, sem nunca colocar seus nomes em nenhum documento. Na sua opinião, qual dos dois grupos trapaceou mais? Para surpresa dos pesquisadores, 85,2% dos alunos que foram expostos a US$ 7.000,00 trapacearam, enquanto apenas 38,5% das pessoas que foram expostas a US$ 24,00 se engajaram em comportamentos antiéticos. Além disso, 80% das trapaças do grupo que visualizou US$ 7.000,00 foram de grande magnitude, contra 26% de trapaças de alto nível realizadas pelo outro grupo.
O renomado cientista Dan Ariely da Duke University, realizou outro experimento que ilumina um dos motivos pelo qual pessoas expostas a uma grande quantidade de dinheiro trapaceiam em nível alto. Os participantes receberam uma folha com 20 problemas de matemática, porém, tinham apenas 5 minutos para resolver o máximo de problemas possíveis. Para cada resposta correta, os alunos ganhariam um incentivo financeiro. Um grupo de alunos foi instruído a entregar a folha com os problemas a um professor, que os corrigia e pagava aos alunos o valor correspondente, uma condição livre de trapaças. Um segundo grupo foi instruído a rasgar a folha de exercícios, colocar os rasgos dentro de seus bolsos e dizer ao professor quantos problemas haviam resolvido para receber o dinheiro correspondente. Um terceiro grupo recebeu instruções iguais ao do segundo grupo, com a diferença de que ao invés de receberem o dinheiro direto do professor, eles recebiam uma ficha para cada resposta correta e a trocavam por dinheiro com um segundo professor, localizado numa mesa que ficava a 3,5m de distância. O primeiro grupo resolveu uma média de 3,5 questões corretamente, o segundo 6,2 e o terceiro, 9,4 questões. A grande descoberta deste estudo foi a de que adicionar um passo antes das pessoas terem contato físico com o dinheiro – neste caso, receber uma ficha para ser trocada por dinheiro posteriormente – aumentou a magnitude das trapaças.
A similaridade entre os executivos de alto escalão e os políticos é que ambos são diariamente expostos a grandes somas de dinheiro e, muitos deles têm ferramentas que garantem seu anonimato em casos de trapaças. Além disso, um executivo ou um político dificilmente põe suas mãos no dinheiro físico, convertendo seus roubos em ações da companhia e recursos em paraísos fiscais, o que faz com que a magnitude das trapaças seja ainda maior. Adicionando o fato de que hoje em dia, raramente as pessoas realizam compras em dinheiro vivo – cartões de débito e crédito, e-commerce, pagamento por smartphones e transferências bancárias são meios que nos distanciam cada vez mais do dinheiro físico – podemos concluir que estamos construindo um mundo cada vez mais tentador para as pessoas serem desonestas.
Neste momento, você pode estar pensando que se engajar em comportamentos antiéticos depende do berço, do caráter ou da formação da pessoa, porém, os estudos científicos citados acima foram realizados com alunos de universidades como Harvard e MIT, ambientes onde somente ingressam pessoas de famílias ricas, bem-educadas e com um histórico familiar de honestidade. Mesmo assim, quando estes alunos têm a possibilidade de trapacear para ganhar dinheiro, a grande maioria deles o faz. O ser humano tem uma fraqueza natural.
Porém, estas condições não são exclusivas para executivos de alto escalão e políticos. Hoje em dia, quase 80% das empresas oferecem algum tipo de incentivo financeiro aos seus funcionários. Quem nunca foi enganado por um vendedor? Quem nunca ouviu uma história de um executivo que manipulou resultados para obter vantagens financeiras? Quem da área comercial nunca presenciou um vendedor que “guarda” vendas para o mês seguinte? Recentemente, funcionários do banco Wells Fargo, “motivados” pelos altos incentivos financeiros ofertados pela companhia, abriram mais de 1,5 milhões de contas de investimento, emitiram quase 600 mil cartões, além de aderirem seus clientes em outros serviços financeiros sem a autorização dos mesmos. Similarmente, quando executivos da General Mills resolveram incentivar financeiramente seus funcionários a encontrarem partes de insetos em embalagens de ervilhas congeladas após receberem reclamações dos clientes, os funcionários foram flagrados trazendo partes de insetos de suas casas, colocando-as dentro das embalagens e “achando-as” para ganhar o bônus. Será que todos os funcionários do Wells Fargo e da General Mills são desonestos? Ou será que as estratégias usadas pelas empresas foram as culpadas pelos escândalos? Nas empresas, quando as estratégias não dão certo, é sempre fácil culpar os funcionários. Enquanto isso, inúmeros artigos científicos comprovam que o comportamento das pessoas é simplesmente um reflexo do ambiente em que eles convivem e das estratégias que as empresas utilizam. Sozinhas, infelizmente as pessoas não tem muito controle sob seus atos. Todos nós vivemos abaixo de muitas leis, mas a simples existência delas não é o suficiente para as pessoas se comportarem de forma correta. Da mesma forma, empresas que têm políticas de compliance devem entender que, apesar da excelente intenção e da necessidade das mesmas, o compliance desacompanhado de estratégias que minimizem as possibilidades de desonestidade, não tem efeito.
Para minimizar a tentação das pessoas em trapacear, governos e instituições privadas devem em primeiro lugar repensar suas estratégias. Incentivos financeiros dentro de qualquer ambiente causam mais prejuízo do que lucro. Recompensar executivos por resultados de curto prazo é uma estratégia perigosa. Ambientes onde os executivos têm amplo conhecimento e controle sobre a situação financeira da empresa, podem gerar desonestidade. Culturas organizacionais que praticam o pagamento por performance individual, fazem com que as pessoas coloquem os seus interesses à frente dos da companhia e dos clientes. Pagar salários fixos mais altos, eliminar ou reduzir bruscamente os incentivos financeiros, recompensar as pessoas por resultados de longo prazo, restringir ao máximo o acesso a informações financeiras, demitir executivos que sinalizam aos funcionários que o único sucesso que importa é o sucesso financeiro e criar culturas que incentivam o trabalho em grupo são formas de bloquear os mecanismos psicológicos que aumentam nossa tendência natural de nos engajarmos em comportamentos inadequados.
Infelizmente, todos os dias governantes e executivos tomam decisões baseados nas ferramentas erradas – intuição, experiências passadas, benchmarking, crenças populares. Enquanto isso, milhares de cientistas no mundo todo realizam estudos com altíssimo grau de confiabilidade, que poderiam melhorar diversos aspectos da nossa sociedade. Apesar da era abundante de informações em que vivemos, um artigo científico é lido em média por dez pessoas no mundo todo. Está mais do que na hora disso mudar!
Sobre o autor: Baseado em comprovações científicas de universidades como Harvard, Stanford e Wharton, Luiz Gaziri apresenta realidades surpreendentes e pouco conhecidas nas áreas de Vendas, Gestão de Pessoas, Liderança, Felicidade e Motivação. Gaziri é autor, instrutor de treinamentos, consultor e professor na FAE Business School e na PUC-PR, em Curitiba/PR. Possui MBAs pela Baldwin-Wallace University (Cleveland, EUA) e também pela FAE Business School (Curitiba, Brasil). Estudou Administração de Empresas na FAE Business School e Liderança na London Business School (Londres, Inglaterra). Trabalhou por quase 20 anos como executivo em empresas dos mais variados segmentos e portes.