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Aprovação da Base Curricular do ensino médio leva desafio a estados; veja análise de nove especialistas

Julia Toledo6 de dezembro de 201816min0
educação
Com a BNCC, estados terão que reelaborar currículos. Além disso, precisam garantir que alunos aprendam conteúdo básico e possam optar por mais aulas de determinadas áreas.

A Base Nacional Comum Curricular (BNCC) do ensino médio, aprovada na terça-feira (4), vai mudar nos próximos anos a forma como o conteúdo é trabalhado nas salas de aula na última etapa da educação básica e vai influenciar até o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem). Entre críticas, alertas e expectativa, nove especialistas ouvidos pelo G1 listam pontos positivos e negativos do documento.

A base traz o desafio da implementação e construção de currículos de acordo com a realidade de cada estado, diz Alice Ribeiro, secretária executiva do Movimento pela Base
Proposta é vaga e só detalha o que será ensinado em português e matemática, diz Cesar Callegari, sociólogo, ex-presidente do conselho da BNCC do CNE
Itinerários formativos (que são a parte específica de escolha do aluno), não foram tratados, afirma Chico Soares, conselheiro do CNE

A concentração em matemática e língua portuguesa e o pouco aprofundamento nos itinerários formativos deixaram as redes de ensino e escolas perdidas, diz Daniel Cara, coordenador-geral da Campanha Nacional pelo Direito à Educação

Impacto virá com a reelaboração dos currículos nas redes estaduais e municipais, diz Eduardo Deschamps, presidente da comissão da BNCC
Base engessa práticas pedagógicas e fere a autonomia profissional dos professores, diz Fernando Cássio, professor da UFABC e pesquisador
Organização da base focada em competências tira a centralidade do conhecimento, afirma Monica Ribeiro da Silva, professora da UFPR e porta-voz do Movimento Nacional em Defesa do

Ensino Médio
Estados têm uma tarefa muito importante que é produzir os currículos estaduais, diz Priscila Cruz, presidente-executiva do Todos pela Educação
(Veja o detalhamento de cada análise mais abaixo)

Antes da BNCC, o Brasil não tinha um currículo nacional obrigatório e as únicas disciplinas listadas por lei nos três anos do ensino médio eram português, matemática, artes, educação física, filosofia e sociologia. Agora, só português e matemática são obrigatórias em todo a etapa e os demais conteúdos vão aparecer em ‘itinerários formativos’ e os currículos deverão ser definidos pelos estados.

Nesta quarta (5), o Conselho Nacional de Educação (CNE) divulgou a íntegra do documento, que ainda está sob revisão e deverá ser submetido ao Ministério da Educação para ser homologado. Segundo o MEC, ainda não há data para esta homologação.

A previsão é que as mudanças no currículo escolar previstas na base estejam em vigor em 2020.

Nove visões sobre a BNCC
Embora o documento seja uma tentativa de padronizar a educação no Brasil definindo conteúdos obrigatórios para o ensino médio, muitos dizem que o texto é precário porque exige pouco como ‘o mínimo’ e, em um contexto mais amplo dentro da reforma do ensino médio, a base não prevê melhorias na infraestrutura das escolas e preparação de professores.

Há críticas também à ampliação da carga horária sem ampliação do número de escolas. Ou seja, se uma escola tinha duas turmas de manhã e de tarde, agora deverá ocupar as salas com uma turma nos dois turnos.

Dados mais recentes do Sistema de Avaliação da Educação Básica (Saeb) indicam que 7 de cada 10 alunos do ensino médio têm nível insuficiente em português e matemática. A etapa mais problemática da educação básica, o ensino médio foi classificado no nível 2 de proficiência, em uma escala de 0 a 9 – quanto menor o número, pior o resultado.

Confira abaixo a opinião de especialistas em educação:

Alice Ribeiro, secretária executiva do Movimento pela Base

“Essa base traz uma inovação importante que também se configura como um desafio, que é se concentrar por área do conhecimento, e não por disciplina, e por não se organizar ano a ano. Essa inovação foi inclusive solicitada pelos estados, mas traz o desafio extra de implementação e construção de currículos, contextualizando a realidade das redes [estaduais de ensino].” – Alice Ribeiro
“É importante que as políticas indutoras tenham continuidade, para que estados e municípios contem com recursos técnicos e financeiros para fazer este trabalho, e que mais ações e programas na área da educação façam mais pela base: como a formação de professores, as avaliações e os recursos didáticos.”

“A base não pode ser discutida de maneira dissociada da reforma do ensino médio. A questão da obrigatoriedade de português e matemática ao longo dos três anos, o tamanho que a base pode ocupar nos currículos e a questão dos itinerários, isso tudo é uma conversa só. A forma como o documento desta etapa foi organizado permite que as redes tenham muita autonomia na decisão sobre o formato do currículo que elas vão construir: se quiserem destrinchar tudo que tem ali em um modelo mais tradicional, por disciplina, e estabelecer isso ano a ano de forma casada com itinerários, elas podem. O que foi feito foi criar condições e uma maior possibilidade de organização curricular e de proposta de ensino e aprendizagem.”

Cesar Callegari, sociólogo, ex-presidente do conselho da BNCC do CNE

“A proposta só detalha conteúdo de matemática e português. Todas as outras disciplinas ficam diluídas nas demais áreas de conhecimento, sem que fique claro o que deve ser ensinado e o que deve ser aprendido.” – Cesar Callegari
“Supostamente, é para abrir espaço para os itinerários formativos, que são escolhas dos estudantes para complementar a aprendizagem. O problema é que a base, como foi cirada dentro do Plano Nacional de Educação, deve ser a definidora dos planos de aprendizagem. Mas [o texto] não define direitos e não cria obrigações. Dentro da precariedade das escolas brasileiras, vai significar uma espécie de isenção de responsabilidade de oferta de educação. É um espaço vazio que desobriga escolas e redes de ensino de oferecer a qualidade dos conteúdos necessários.”

Chico Soares, professor titular aposentado da UFMG e conselheiro do CNE

“As disciplinas são a estrutura sobre a qual é feita toda a formação dos estudantes de educação básica. No entanto, as disciplinas, ao mesmo tempo, que criam uma necessária âncora, podem também ensejar um ensino descolado das necessidades da vida dos estudantes. Buscar uma solução para este problema era função da proposta que o executivo enfiou ao CNE. Constato que, neste ponto, a proposta não atende a estas expectativas.”

“A manifestação de vários grupos da sociedade brasileira sobre a necessidade de contemplar as disciplinas no projeto deveria impactar mais as decisões do CNE. Há razões epistemológicas que as sociedades científicas evidenciaram, há as limitações da formação dos atuais professores, que os gestores apontaram. Há os argumentos sindicais e jurídicos sobre os contratos de trabalho dos professores. Há os motivos teóricos que os sociólogos do currículo como Michael Young registram na sua produção cientifica. Há a comparação internacional, onde se percebe a presença das disciplinas de forma clara, ainda que de múltiplas maneiras. Há as considerações do projeto 2030 das Nações Unidas e literatura que mostra as múltiplas maneiras de tratar este problema que é geral. Entre tantos autores, cito David Perkins, professor da Faculdade de Educação de Harvard.”

“Não me parece adequado nem prudente que todos estes argumentos sejam simplesmente desconsiderados. Entendo que o CNE ao aprovar um texto que desconhece todas estas ponderações perde uma oportunidade importante de indicar um caminho que permitiria uma organização mais adequado do ensino médio brasileiro.”

Daniel Cara, coordenador-geral da Campanha Nacional pelo Direito à Educação

“O Brasil precisava que o Conselho Nacional de Educação, ainda que limitado pela lei, resolvesse o caos estabelecido pela reforma do ensino médio. Ao contrário, a ênfase concentrada em matemática e língua portuguesa e a falta de aprofundamento sobre os itinerários formativos deixaram redes públicas estaduais e escolas de ensino médio perdidas.” – Daniel Cara
“A BNCC é uma política típica do governo Temer: para resolver um problema – a crise do ensino médio – a ação governamental é gerar o caos. E o ambiente caótico facilita a emergência de soluções privadas. É preciso que redes e escolas públicas, pelo bem da educação, assumam a tarefa de superar a BNCC.”

Eduardo Deschamps, presidente da comissão da BNCC

“A base, como as DCNs [diretrizes curriculares nacionais], são referenciais de currículo. O que vai fazer impacto mesmo é a reelaboração dos currículos e das propostas pedagógicas pelas redes, tendo como referência tanto a base quanto as próprias diretrizes curriculares nacionais.”

Fernando Cássio, professor da UFABC e pesquisador na área de políticas educacionais

“A BNCC não fará nada diferente do que as atuais políticas de centralização curricular e as avaliações em larga escala já fazem: engessar práticas pedagógicas e ferir a autonomia profissional dos professores – sem com isso produzir grandes diferenças nos indicadores de fluxo e proficiência em que os defensores da Base se apoiam.” – Fernando Cássio
“Proclamar que a BNCC realiza a igualdade educacional no Brasil equivale a dizer que a Constituição realiza o direito à educação só por inscrevê-la no texto da lei. No caso do ensino médio, a BNCC, em associação com a arquitetura curricular propugnada pela reforma da Lei n. 13.415/2017, significará exatamente o contrário da promessa liberal dessas políticas. Tem mais liberdade de escolha quem pode mais.”

Heleno Araújo, presidente do Conselho Nacional dos Trabalhadores em Educação (CNTE)

“É uma base que exclui, que não se comunica com a realidade do ensino médio no Brasil. Não estabelece uma política pública de educação, não coloca quem está fora da escola para dentro. Como posso ampliar a carga horária sem ampliar a rede?”

Monica Ribeiro da Silva, professora da UFPR e porta-voz do Movimento Nacional em Defesa do Ensino Médio

“São muitos os problemas que cercam a BNCC do ensino médio. Desde o processo, sem ampla participação e marcado por cinco audiências públicas conturbadas, com mais de 80% das falas sendo de críticas, até o texto propriamente dito, que retoma um discurso empoeirado dos anos 90: a problemática organização com base em prescrição de competências, que retira a centralidade do conhecimento escolar.”
“Igualmente problemático é a insistência em hierarquizar ainda mais as áreas, com esse nefasto equívoco de conferir ênfase apenas à língua portuguesa e à matemática, num mundo em que até mesmo a produção científica se volta para formas menos hierarquizadas, e em que perspectivas de interdisciplinaridade preservam os objetos de estudo e ao mesmo tempo os integra e produz novos objetos. Os grandes prejudicados são os mais de seis milhões de jovens que estudam em escolas públicas, muitas delas em condições precárias. O país vive a falácia de que basta mudar o cenário curricular para melhorar a qualidade da educação. No fim, é apenas mais um engodo.”

Priscila Cruz, presidente-executiva do Todos pela Educação

“Os estados agora têm uma tarefa muito importante, que é, à luz dessa nova Base Nacional Comum Curricular do ensino médio, produzir os currículos estaduais. (…) A gente tem uma crise de aprendizagem gigantesca no ensino médio que a gente precisa resolver. E agora, com a reforma do ensino médio, e com a Base Nacional Comum Curricular do ensino médio, é possível a gente dar passos mais largos.”

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