COVID: os 6 tipos de mensagens falsas mais comuns contra vacinas nas redes
Às vezes a mensagem é direta: “Não tomo essa vacina porque vem da China. Quem me garante que foi bem feita?”. Outras vezes, ela aparece como questionamento ético (“Os idosos não estão sendo cobaias dessa vacina?”), pregação religiosa (“Deus é a única proteção contra o vírus!”), meme, ou até piada.
Essas mensagens podem chegar pelo Facebook, Twitter, WhatsApp, Telegram, Instagram, YouTube — inclusive, repetidas, por vários desses canais ao mesmo tempo.
Apesar de falarem das vacinas, estes posts estavam inseridos em conversas sobre temas tão diversos como política, ciência, economia e até religião.
Elas podem até variar muito na forma, mas pouco no conteúdo: em geral, estão dentro de seis temas principais.
Essa é uma das conclusões à qual chegou um estudo da ONG First Draft, especializada no combate à desinformação, no qual a BBC News Brasil se baseou para analisar os posts com mais interações publicados no Facebook em português entre 1º de dezembro de 2020 e 31 de janeiro de 2021.
“Debater se as vacinas funcionam, se foram bem feitas, se alguém está lucrando com elas ou se há interesses políticos é completamente legítimo e normal num momento como esses”, disse à BBC News Brasil Rory Smith, um dos autores do estudo da First Draft.
“Mas, uma vez que as vacinas são politizadas em um país, começamos a ver posts falando que vacina pode não ser boa porque tal político — de quem a pessoa não gosta — teria se beneficiado de algum acordo para distribui-la. E se não há provas disso ou as informações ali são falsas, o post está enganando as pessoas.”
A análise da BBC News Brasil no Facebook, feita com palavras-chave relacionadas a vacinas de covid-19, mostrou que cerca de 22% de todas as interações (curtidas, comentários, reações e compartilhamentos) na rede social sobre o tema ocorreram em posts antivacina e desinformativos. Clique aqui para ler a metodologia.
Quando se fala em desinformação sobre vacinas, o que vem à mente são as teorias da conspiração e mitos de que os imunizantes poderiam interferir com o DNA humano ou fariam parte de um plano para controlar a população mundial.
Mas, na análise feita pela BBC News Brasil, as teorias conspiratórias não apareceram como o tema mais importante.
No Brasil, a desinformação esteve muito mais ligada ao debate político — até mesmo posts sobre a segurança das vacinas foram marcados pelo discurso partidário ou ideológico.
De acordo com o pesquisador Pablo Ortellado, coordenador do Monitor do Debate Político no Meio Digital da Universidade de São Paulo (USP), esse é um detalhe revelador do momento atual do país.
“Essas campanhas são construídas ao redor das dúvidas e hesitações naturais das pessoas sobre a vacinação. Elas dão elementos que fortalecem essas tendências com propósitos políticos. Pelo que observamos, isso não está ocorrendo dessa forma em nenhum dos outros países da América Latina, com grupos políticos tão organizados atuando”, afirma.
A análise feita pela BBC News Brasil — usando a ferramenta Crowdtangle e com a colaboração do Monitor do Debate Político no Meio Digital — não fez nenhum tipo de filtragem por preferência política.
No entanto, 66% das interações em posts com informações falsas e antivacina aconteceram em páginas ou grupos que se declaram de direita, conservadores ou apoiadores do presidente Jair Bolsonaro (sem partido). Em 34% dos casos não foi possível estabelecer preferências políticas específicas.
Declarações do presidente repercutiram nas redes e, em alguns casos, se tornaram hashtags ou palavras de ordem. “Ninguém pode me obrigar a tomar a vacina”, ele afirmou em setembro de 2020. No mês seguinte, disse que “o povo brasileiro não será cobaia de ninguém”. Depois, que não tomaria a vacina “e ponto final”.
No último mês de abril, Bolsonaro disse que pretende se vacinar, mas que vai tomar “por último”.
Em alguns casos, as táticas usadas para espalhar informações e notícias falsas não são novidade — elas foram usadas antes, para falar de outras vacinas, remédios ou tecnologias surgidas nas últimas décadas.
Entender o contexto desses discursos antivacina e estas estratégias de desinformação pode evitar que sejamos enganados e manipulados, afirma Rory Smith.
“Quando entendemos que cada meme, imagem, hashtag ou frase faz parte de uma narrativa, podemos combater as notícias falsas com informação de qualidade.”
Role para baixo ↓ para ver os seis principais temas e os tipos de mensagem antivacina encontrados na nossa análise:
Sobre poder e dinheiro
Era esperado que, no momento em que se discutia a estratégia de vacinação do Brasil contra a pandemia, as redes sociais estivessem cheias de elogios ou críticas a governos pela compra de vacinas, a políticos, a empresas farmacêuticas e aos países onde os imunizantes são fabricados.
No entanto, o ambiente de forte tensão política em relação ao assunto criou um terreno fértil para as campanhas que usam a desinformação, segundo o pesquisador Pablo Ortellado.
É também o que mostra a análise da BBC News Brasil. Esse foi o tema com mais interações entre dezembro e janeiro — 36%.
Quase todos os posts estavam em páginas ou grupos de apoiadores do presidente Jair Bolsonaro e atacavam o governador de São Paulo, João Doria (PSDB). Algumas das publicações foram feitas por deputados de partidos da base do governo, como o exemplo abaixo.
Doria e Bolsonaro são possíveis rivais nas eleições presidenciais de 2022.
Os posts criticavam seu apoio à vacina CoronaVac, produzida por meio do laboratório chinês Sinovac e do Instituto Butantan, sugerindo que as pessoas não deveriam tomá-la porque ela seria pouco confiável, nem a própria China a estaria usando ou Doria estaria obtendo ganhos financeiros com a sua administração.
O que dizem os fatos?
Em 2016, o funcionário admitiu o crime e foi preso, mas o presidente foi inocentado e continua no comando da empresa. A reportagem não fala em pagamento a autoridades estrangeiras, e, até o momento, não há indícios de que isso tenha ocorrido no Brasil.
O jornal também afirma que o laboratório Sinovac nunca foi alvo de escândalos relacionados à segurança de suas vacinas. Além disso, não há nenhuma evidência de que as vacinas aprovadas no país, mesmo durante o esquema das propinas, apresentassem falhas.
Também não é verdade que a CoronaVac “não é confiável nem na China”. Segundo o site Our World in Data, projeto da Universidade de Oxford, no Reino Unido, a vacina continua a ser aplicada na população chinesa, juntamente com a da empresa Sinopharm, depois de ter sido aprovada para uso emergencial em julho.
Sobre reações e necessidade
Cerca de 25% das interações em português aconteceram em posts que colocavam em dúvida a segurança das vacinas, afirmando, sem provas ou com informações distorcidas, que elas podem causar efeitos colaterais sérios ou até a morte.
Isso é algo que já sabíamos que poderia acontecer. Mas, nesse caso, esse conteúdo tem mais sucesso, porque estamos falando de um vírus novo e de tecnologias novas para criar vacinas. Então, ainda não há tanta informação confiável disponível para as pessoas.Rory Smith, First Draft.
Os posts em português traziam principalmente notícias falsas ou inconclusivas sobre supostas reações, efeitos colaterais graves ou mortes relacionadas a vacinas. É o caso do exemplo abaixo.
O Facebook classificou o vídeo que está na publicação como informação falsa, depois que ele foi conferido por agências de checagem parceiras da plataforma.
O que diz a ciência?
A todo momento, dentro das células humanas, moléculas de RNA se formam para levar instruções presentes no nosso DNA até estruturas onde serão criadas as proteínas necessárias ao metabolismo. A vacina faz um papel semelhante.
O documento da Pfizer cujo link está na publicação é o protocolo de estudos clínicos da empresa, que deixa claro que mulheres grávidas não fazem parte dos testes, algo que é padrão em ensaios clínicos. Também afirma que participantes do sexo masculino devem manter abstinência sexual ou usar contraceptivos, para evitar a gestação.
Além disso, não há nenhum “mecanismo biológico plausível” pelo qual uma vacina poderia afetar a fertilidade, explica Lucy Chappell, professora de Obstetrícia da Universidade King’s College, no Reino Unido, e porta-voz do Royal College de Obstetras e Ginecologistas britânicos.
A recomendação da OMS é de que grávidas que sejam parte de grupos já aptos à vacina (como profissionais de saúde, por exemplo) avaliem seu caso com seus médicos e decidam se querem ou não tomar a vacina.
O segundo link presente no post, também em inglês, é uma orientação oficial sobre a vacina para profissionais de saúde britânicos, que esclarece sua composição, contraindicações e outras recomendações.
A nota técnica diz que os testes da vacina em mulheres grávidas foram limitados, mas que estudos em animais não indicaram nenhum tipo de dano direto ou indireto no desenvolvimento dos fetos. Ou seja, o documento afirma, de certa forma, o contrário da publicação no Facebook e do vídeo que a acompanha.
“É uma estratégia muito comum para dar legitimidade a conteúdos falsos. Eles contam com a probabilidade de que a maioria das pessoas não vai ler o documento em inglês para conferir”, diz Pablo Ortellado.
Sobre fazer e testar vacinas
Na nossa análise, este foi o terceiro tipo de mensagem com mais interações, com cerca de 17%.
Muitos dos posts antivacina também mencionavam a disputa entre o governador João Doria e o presidente Jair Bolsonaro — parte deles aparecia em grupos de apoio ao presidente, e um dos que tinha mais interações foi feito pelo ex-ministro da Educação Abraham Weintraub.
Assim como no exemplo abaixo, esses posts afirmam que a eficácia geral de 50,38% da vacina significaria “um risco” para quem a toma. Outros afirmavam que esta e outras vacinas contra a covid-19 foram feitas, testadas e aprovadas rápido demais. Por isso, não seriam eficientes contra o vírus.
“Agora, por causa da pandemia, todos querem fazer tudo mais rápido, e há financiamento abundante disponível. E esse era o principal entrave. O processo químico de produção de uma vacina normalmente não leva muito tempo. 95% do tempo é gasto com a testagem”, disse à BBC News Brasil o imunologista e professor Norbert Pardi, da Universidade da Pensilvânia, nos Estados Unidos.
O que dizem os especialistas?
O post sugere que tomar a CoronaVac seria o mesmo que arriscar-se a pular de um paraquedas sem a certeza que ele funcionaria, mas não é isso o que mostram os dados.
Ou seja, tomar a vacina significa, sempre, aumentar a sua proteção , e não arriscar-se a não estar protegido.
Além disso, os efeitos colaterais observados durante os testes da vacina foram apenas dor no local da aplicação, dor de cabeça e fadiga, segundo o Butantan.
A CoronaVac também se mostrou capaz de evitar até 78% dos casos que necessitam de algum tipo de assistência médica.
Do ponto de vista da saúde pública, menos internações (e, por consequência, menos mortes) pode reduzir muito a pressão sobre os ambulatórios e hospitais.
O post também diz que o fabricante da vacina “não se responsabiliza pelo produto”, se referindo à chamada “isenção de responsabilidade” pedida por alguns dos laboratórios produtores de imunizantes contra possíveis processos judiciais.
“Os testes clínicos mostraram que a vacina é segura. Mas, com qualquer medicamento, qualquer vacina, qualquer intervenção de saúde, tem um risco. Uma vez que você use na população, em larga escala, vão ser detectados eventos raros”, disse Ariane Gomes, imunologista e PhD em medicina clínica pela Universidade de Oxford.
Sobre liberdades
A discussão sobre a suposta obrigatoriedade da vacinação contra a covid-19 também movimentou as redes sociais brasileiras entre dezembro e janeiro.
Cerca de 16% das interações aconteceram em posts afirmando que a exigência da vacinação é um ataque a liberdades civis e pessoais.
A maior parte destes posts também trazia conteúdo político e aparecia em páginas ou grupos dedicados ao presidente, ao vice, general Hamilton Mourão (PRTB-RS), ou a deputados federais da base do governo Bolsonaro, como Carla Zambelli (PSL-SP).
Em alguns casos, apresentavam informações falsas ou suspeitas infundadas sobre efeitos colaterais das vacinas, sugerindo que as pessoas estariam sendo obrigadas a tomar algo perigoso para sua saúde, em uma manobra supostamente “ditatorial”.
O que diz a lei brasileira?
“A vacina nunca é obrigatória no sentido de que ninguém é vacinado contra a sua vontade, mas existem restrições da vida civil que você pode sofrer se não puder apresentar um atestado de vacinação”, disse.
Em novembro de 2020, o Procurador-Geral da República, Augusto Aras, chegou a emitir um parecer ao Supremo Tribunal Federal (STF), afirmando que a vacinação obrigatória é amparada pela Constituição no Brasil, e sua aplicação deve ser determinada pelo Ministério da Saúde. O STF também considerou que a obrigatoriedade é constitucional.
A OMS afirmou diversas vezes que apoia a vacinação voluntária por meio de programas de informação e conscientização, e recomenda cautela com relação a multas e penalidades.
Sobre conspirações
Durante dezembro de 2020 e janeiro de 2021, apenas 4% das interações aconteceram em posts contendo teorias conspiratórias novas ou já estabelecidas sobre as vacinas.
Uma teoria da conspiração geralmente fala de “um plano maléfico, planejado em segredo por um pequeno grupo de indivíduos poderosos”, segundo o Dr. Jovan Bydord, professor de psicologia da Universidade Aberta de Londres.
“A crença de que o mundo é finalmente controlável é um impulso muito poderoso às teorias conspiratórias em momentos de crise, onde há um vazio de explicações”, disse Bydord à BBC News.
Em alguns casos, como no exemplo abaixo, essas teorias são salpicadas de menções à maçonaria, aos Illuminati (nome dado a diversos grupos secretos, tanto reais quanto fictícios) e outros elementos fantásticos. Eles são inclusive conectados a figuras políticas do Brasil.
“Apesar de terem aparecido pouco no Facebook, essas teorias conspiratórias antivacina têm circulado muito em grupos de WhatsApp no Brasil, em textos, áudio e vídeo”, alerta o pesquisador Pablo Ortellado.
Algo que precisamos entender é que as teorias conspiratórias só funcionam quando elas conseguem explicar tudo. E essas comunidades querem continuar tendo relevância nas redes sociais. É por isso que, quando começou a pandemia, passaram a incorporar as vacinas em suas teorias.Seb Cubbon, pesquisador de manipulação das mídias sociais da First Draft.
O que dizem os fatos?
O post utiliza uma reportagem verdadeira da revista Veja sobre a morte de idosos noruegueses que haviam recebido a vacina da Pfizer, para insinuar que a vacina faria parte de uma conspiração envolvendo Bill Gates.
O caso realmente foi investigado pela agência e saúde noruguesa, a Noma, no início de janeiro.
Já no final do mês, entretanto, o Instituto Norueguês de Saúde Pública divulgou um comunicado dizendo que nenhuma ligação foi estabelecida entre a vacina e quaisquer mortes. Um comitê da OMS também analisou os casos e concluiu o mesmo.
Os rumores se espalharam em março, quando Gates disse em uma entrevista que eventualmente “teremos alguns certificados digitais” que seriam usados para mostrar quem se recuperou, foi testado e, finalmente, quem recebeu a vacina. Ele não fez menção a microchips.
Isso levou a um artigo amplamente compartilhado com o título: “Bill Gates usará implantes de microchip para combater o coronavírus”.
No entanto, a tecnologia não é um microchip e funciona como uma tatuagem invisível. Ela ainda não foi implementada, não permitiria que pessoas fossem rastreadas e informações pessoais não seriam inseridas em um banco de dados, diz Ana Jaklenec, cientista envolvida no estudo.
Sobre Deus e ética
Entre as publicações com as quais os brasileiros mais interagiram, só 1% se colocavam contra as vacinas de covid-19 citando motivos religiosos ou éticos.
A maior parte deles aparecem em páginas e grupos que se declaram de denominações evangélicas. É o caso do exemplo abaixo.
O que diz a teologia?
O teólogo Magno Paganelli, que é doutor em História Social pela USP e estuda as interpretações do Apocalipse desde os anos 1990, lembra de outros momentos em que inovações tecnológicas, por exemplo, foram tidas como “a marca da besta” — mesmo antes das redes sociais.
De acordo com a Bíblia, a marca permite a quem a possui fazer transações comerciais.
“Quando surgiu o cartão de crédito, ele também foi considerado por alguns como a marca da besta. Depois veio o código de barras, o código QR. Imaginava-se que o sujeito pudesse ficar marcado, perder a salvação, passar a fazer parte de um sistema global maligno, contrário a Deus”, diz.
“As máscaras e as vacinas não têm nada a ver com isso, nem mesmo se estivermos pensando estritamente no que diz o Apocalipse. Estar protegido de uma pandemia é outra coisa.”
De acordo com Paganelli, é preciso que, mesmo considerando sua fé, as pessoas se recordem de que temos uma separação entre a Igreja e o Estado, e que “cabe ao Estado impor normas para nos proteger e promover o nosso bem-estar”.
Durante o período de ansiedade, luto e incertezas da pandemia, a aquisição de Bíblias aumentou em países como EUA, Reino Unido e Brasil. Até mesmo em formato digital, o livro sagrado do cristianismo tem aumentado o faturamento de editoras brasileiras, segundo reportagem da revista Veja.
No entanto, o teólogo afirma que, apesar do interesse por previsões do fim dos tempos, é preciso considerar o livro inteiro, não apenas um capítulo.
O próprio Apocalipse, no seu final, fala que haverá cura para todas as nações. Não é um livro só de destruição, é um livro de esperança também. Ele aponta para um final positivo. Não adianta pegar um texto isolado do livro e nem um livro isolado da Bíblia para tirar uma conclusão.Magno Paganelli, teólogo