Ômicron: qual a previsão de novas vacinas
Classificada como uma variante de preocupação no dia 26 de novembro, a ômicron segue cercada de incertezas e especulações. Um dos aspectos que levanta mais dúvidas tem a ver com a imunidade: será que as vacinas disponíveis atualmente são capazes de barrar uma infecção (ou ao menos diminuir a gravidade da doença) causada por essa nova versão do coronavírus?
Por ora, não há nenhuma evidência de que os imunizantes perdem completamente a capacidade de proteção — os estudos que avaliam essa questão estão em andamento e devem ter seus resultados preliminares divulgados ao longo da próxima semana. A vacinação continua indicada como a principal estratégia para se proteger contra a covid.
Porém, de forma geral, boa parte dos especialistas espera que ocorra, sim, uma queda na efetividade das doses. Essa expectativa tem a ver com as mutações encontradas na ômicron que aparecem em outras variantes e com algumas simulações feitas em computador.
Mas ninguém sabe ainda responder ao certo a magnitude dessa diminuição da efetividade ou se haverá a necessidade de desenvolver novas vacinas capazes de conter especificamente a ômicron.
Uma das previsões mais pessimistas veio do executivo-chefe da farmacêutica Moderna, Stéphane Bancel, numa entrevista ao jornal Financial Times. “Me parece que haverá uma queda importante [da imunidade]. Só não sei quanto, porque precisamos esperar os dados. Mas todos os cientistas com quem conversei dizem que ‘não vai ser bom'”, declarou.
Na contramão, o ministro da Saúde de Israel, Nitzan Horowitz, acredita que “há espaço para otimismo”. “Nos próximos dias, nós teremos informações mais precisas sobre a eficácia das vacinas contra a ômicron. Mas alguns indicadores iniciais revelam que os indivíduos vacinados continuam protegidos contra essa variante”, declarou, durante uma coletiva de imprensa na terça-feira (30/11).
Nos últimos dias, representantes de alguns laboratórios afirmaram que estão desenvolvendo versões atualizadas de seus imunizantes. Foi o caso de Pfizer/BioNTech, Moderna, AstraZeneca e Janssen.
Mas, caso a necessidade de novas vacinas contra a ômicron fique realmente comprovada, quanto tempo demoraria para elas ficarem prontas?
O que falta descobrir
Identificada na África do Sul no final de novembro, a ômicron logo chamou a atenção dos especialistas pela quantidade e pela variedade de mutações, muitas delas localizadas na proteína S.
Esse “S” é a inicial de spike, ou espícula em português. Essa proteína fica na superfície do coronavírus e tem a função de se conectar no receptor das células humanas para dar início à infecção.
Na perspectiva das vacinas disponíveis, essa estrutura é muito importante. A maioria dos imunizantes tem como base justamente a tal da proteína S.
As vacinas de mRNA (como aquelas desenvolvidas por Pfizer e Moderna) trazem na sua formulação um pedacinho de código genético com instruções para que nossas próprias células fabriquem a proteína S. Na sequência, esse material é identificado pelo sistema de defesa, que gera uma resposta imunológica capaz de nos proteger de uma infecção de verdade.
Já nos imunizantes de vetor viral (caso de AstraZeneca e Janssen), o produto traz um vírus inofensivo para seres humanos que possui um código genético em seu interior. Daí, o processo é mais ou menos igual: nossas células produzem a proteína S e o sistema imunológico faz o seu trabalho de montar uma resposta contra o invasor.
Agora, se a ômicron traz mutações importantes justamente na proteína S, existe a probabilidade de as células de defesa não reconhecerem mais essa nova versão do coronavírus e não lançarem um contra-ataque efetivo. E isso, por sua vez, aumenta o risco de infecção mesmo entre os vacinados ou aqueles que tiveram covid-19 anteriormente.
“Essa variante traz muitas mutações em lugares estratégicos, como a região da espícula que se liga ao receptor das células”, observa o imunologista Jorge Kalil Filho, professor titular da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo.
“E isso abre a possibilidade de que os anticorpos neutralizantes parem de funcionar como observado até agora”, completa.
De novo: ainda não se sabe se isso vai acontecer na prática e o quanto a ômicron é realmente capaz de “driblar” a imunidade prévia. Mas há alguns cenários possíveis, como você confere a seguir (do mais otimista para o mais pessimista):
1) A imunidade de quem já teve covid-19 ou tomou as doses recomendadas de vacina continua suficientemente alta;
2) Há uma perda da imunidade, mas boa parte de quem está vacinado ou já foi infectado continua com um nível bom de proteção contra as formas mais graves da doença;
3) A perda da imunidade é grande e boa parte da população volta a ficar mais vulnerável, especialmente os mais velhos e aqueles com o sistema imunológico comprometido.
Há quem aposte em cada um desses cenários e nas possíveis variações e combinações entre eles. Mas isso ainda não passa de uma aposta ou de uma especulação.
É justamente para acabar com essas dúvidas que diversos grupos de pesquisa estão trabalhando nos últimos dias. Uma das formas de encontrar respostas é pegar amostras de sangue de pessoas vacinadas (ou recuperadas da covid) e ver no laboratório como as células imunes delas reagem ao ômicron.
“Essa estratégia nos dá uma ideia se os anticorpos conseguem neutralizar a nova variante de uma maneira parecida ao que acontecia com as outras versões anteriores do coronavírus”, explica Kalil Filho.
“Outra maneira de conferir essa eventual perda de efetividade das vacinas é observar o que acontece nos lugares onde a ômicron circula com mais intensidade. Será preciso acompanhar a população, fazer testes de diagnóstico, ver quantas pessoas ficaram doentes, quantas tiveram quadros mais graves e quantas estavam vacinadas”, continua o especialista.
“A partir daí, é possível fazer cálculos estatísticos para determinar o tamanho do problema”, completa.
Outra etapa mais complexa é entender como ficarão outros aspectos importantes da imunidade que não dependem necessariamente dos anticorpos, como a atuação dos linfócitos T, uma unidade de defesa que destrói as células infectadas pelo coronavírus.
Boa parte dessas investigações já está em curso, sob a liderança das próprias farmacêuticas e de grupos de estudos independentes. A expectativa é que os primeiros resultados saiam até a próxima semana.
Até agora, todas as novas versões do vírus que causaram maior preocupação (alfa, beta, gama e delta) continuam a ser barradas pelas vacinas. “Os dados de vida real nos mostram um bom nível de proteção contra essas variantes”, informa a imunologista Cristina Bonorino, da Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre.
“O grande problema é que, se continuarmos nessa situação de não vacinar grande parte do mundo, como os países mais pobres da África e da Ásia, uma hora ou outra vai surgir uma nova variante com mutações que conseguem escapar totalmente das vacinas”, alerta a especialista, que também integra a Sociedade Brasileira de Imunologia.
“Estamos diante de um problema global cujas soluções são pensadas de maneira local. Assim fica difícil acabar com a pandemia”, critica.
O que será feito na sequência?
Vamos supor que essas pesquisas em andamento mostrem que a realidade se aproxima do cenário 2 (perda da imunidade, mas ainda com um nível suficiente de proteção contra as formas mais graves da covid).
Nesse caso, os especialistas podem indicar, por exemplo, uma dose extra das vacinas já disponíveis. Há diversos estudos mostrando que esse booster, como é conhecido o reforço em inglês, aumenta os níveis de anticorpos contra o coronavírus.
A terceira dose, aliás, já está sendo aplicada de rotina nos países com a campanha de vacinação mais avançada, como é o caso do Brasil.
Agora, se o cenário 3 se concretizar (perda grande da imunidade e muita gente vulnerável), a situação fica um pouco mais complicada: pode ser necessário desenvolver novos imunizantes que consigam barrar especificamente a ômicron.
Farmacêuticas como Pfizer, Moderna, AstraZeneca e Janssen, inclusive, anunciaram nos últimos dias que estão desenvolvendo novas versões de seus produtos para contemplar a nova variante.
A Pfizer anunciou que conseguiria desenvolver um novo produto em cerca de 100 dias. Já a Moderna calcula que levaria “alguns meses” para ter uma versão atualizada de seu imunizante.
Em tese, a parte técnica desse processo nem é tão complicada assim: tanto nas vacinas de mRNA (Pfizer e Moderna) quanto nas de vetor viral (AstraZeneca e Janssen), basta trocar aquele código genético que “ensina” nossas células a fabricar a proteína S por uma versão mais aproximada ao que se observa na ômicron.
Ou seja: na mais otimista das hipóteses, todo esse processo demoraria por volta de seis meses para ser finalizado, segundo os próprios cálculos dos laboratórios.
“O desafio maior vem a seguir: fabricar, distribuir e vacinar todo o mundo, num momento em que a maioria da população global ainda não recebeu suas doses”, aponta Bonorino.
Segundo a imunologista, a adaptação e a atualização das vacinas não exigiria longos testes clínicos, como aconteceu para a aprovação da primeira leva de imunizantes entre o final de 2020 e o início de 2021.
“É mais ou menos o que acontece com a vacinação contra a gripe, em que temos alterações no produto utilizado a cada ano de acordo com as cepas do vírus influenza que circulam com mais intensidade naquele momento”, exemplifica.
Esse processo, claro, exigiria toda uma discussão entre os especialistas e a criação de regras regulatórias que ainda não existem até agora, pois a covid-19 é uma doença relativamente nova.
Órgãos como a Anvisa no Brasil e o FDA nos Estados Unidos precisam definir essas normas e como seria feita essa mudança dos produtos, caso isso se mostre realmente necessário.
Fonte: BBC News Brasil