‘Melhor vacina é a que estiver disponível’, diz infectologista
Uma escolha em hora inadequada: enquanto o Brasil perde milhares de vidas a cada dia para a COVID-19, algumas pessoas que já podem se vacinar preferem esperar por temer os efeitos colaterais da fórmula da AstraZeneca, a segunda mais aplicada no país até o momento. O irresponsável comportamento, percebido sobretudo no Rio de Janeiro e em São Paulo, forçou a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), que fabrica a injeção no país, a convocar seus especialistas para conscientizar a população. “Não é nada grave e são efeitos que nós chamamos de indesejáveis ou adversos, mas que podem ocorrer e que, rapidamente, em 24 horas, a tendência é desaparecer”, explicou a pneumologista Margareth Dalcolmo nos canais da Fiocruz.
A jornalista de dados Bárbara Libório, da revista “AzMina”, relatou no Twitter o que presenciou em um centro de saúde em São Paulo. “O que me deixou mais chocada na fila do posto foi a quantidade de pessoas perguntando que vacina estavam dando. Gente dizendo que iria embora se fosse AstraZeneca. Gente comemorando quando ouviu que era Pfizer. O movimento sommelier de vacina é real – é perigoso”, afirmou.
O que me deixou mais chocada na fila do posto foi a quantidade de pessoas perguntando que vacina estavam dando. Gente dizendo que iria embora se fosse Astrazeneca. Gente comemorando quando ouviu que era Pfizer. O movimento sommelier de vacina é real – é perigoso.
— Bárbara Libório (@baliborio) June 7, 2021
Depoimentos como o de Bárbara são comuns na rede social. “Levei mamãe pra se vacinar hoje e uma mulher na fila dizia querer só Pfizer. A moça que controlava a entrada, oficial dos bombeiros, disse que era só AstraZeneca, e indicou alguns postos para a mulher encontrar Pfizer, como se vacina fosse Coca ou Pepsi, empada com ou sem azeitona”, escreveu o também jornalista Thales Machado, editor no jornal O Globo e morador do Rio de Janeiro.
A ignorância da sommelier de vacina eu já esperava, mas o respaldo de alguém que está trabalhando diretamente com a vacinação surpreendeu. Essas pessoas têm que orientar que qualquer vacina serve e, ainda que pareça gentileza, não deveriam incentivar essa frescura egoísta.
— Thales Machado (@thalescmachado) June 3, 2021
Entre as reações mais comuns estão dores musculares, febre, mal-estar e calafrios. Especialistas afirmam que os efeitos duram poucos dias após a vacinação e que casos mais graves são raros. Minas Gerais recebeu 10 milhões de doses das três fabricantes, de acordo com dados do vacinômetro.
Professor-emérito da Faculdade de Ciências Médicas e assessor do Hermes Pardini, o epidemiologista José Geraldo Ribeiro é um dos que afirmam que não cabe escolha de vacina. “A melhor vacina é a que estiver disponível”, aconselha. O especialista lembra que, do ponto de vista científico, ainda é cedo para comparar a eficácia entre os imunizantes.
“Neste momento, não há como saber qual vacina é mais eficaz”, diz. Ele lembra que os estudos de fase 3 (a última fase do ensaio clínico) de cada um dos imunizantes não são comparáveis. E explica que, devido à urgência de combater o novo coronavírus, os estudos foram feitos em curto espaço de tempo. “Durante o uso, nos próximos anos, conheceremos melhor a efetividade de cada vacina e os possíveis eventos adversos mais raros”, pondera.
“Nas vacinas da COVID-19, nós temos visto alguns relatos de febre. É o que chamamos a ‘pega’ vacinal. Não é grave; dura, em média, 24 horas. Eu também tive febre quanto tomei minha segunda dose da vacina da AstraZeneca, e ela passou no dia seguinte”
Dra. Margareth Dalcolmo, médica pneumologista da Fiocruz
Risco
O infectologista Carlos Starling, que integra o Comitê de Enfrentamento à COVID-19 da Prefeitura de Belo Horizonte, alerta para o risco de escolher o fabricante da vacina. “Adiar a vacinação por preferência é um risco muito grande. O vírus pode te encontrar antes. Aí, é contar com a sorte”, afirma.
O especialista reforça que a eficácia das diferentes fórmulas não é comparável, pelo fato de terem sido desenvolvidas e aprovadas com estudos clínicos diferentes. “Após 21 dias, as vacinas da Pfizer e AstraZeneca têm eficácia praticamente idênticas”, diz. E ele ainda reforça que estudos mostram que as injeções são intercambiáveis. “No futuro, quem tomou uma, poderá tomar outra”, disse.
A recusa da AstraZeneca em alguns locais vem ocorrendo em função dos efeitos colaterais. No entanto, a médica epidemiologista Denise Garrett, vice-presidente do Sabin Vaccine Institute e ex-integrante do Centro de Controle de Doenças (CDC) dos EUA, afirma que as pessoas não devem hesitar em se vacinar quando forem chamadas. “Dois dias de cama com febre e calafrio, se acontecer, é um preço muito pequeno para se proteger contra a COVID. Uma espera pode te custar muito mais.”
A especialista reforça o alerta para que as pessoas não escolham vacinas. Em um post no Twitter, ela respondeu a um questionamento em relação à AstraZeneca. “A efetividade, proteção no mundo real, da AstraZeneca é alta, incluindo nos maiores de 70 anos, mais de 70%. A AstraZeneca funciona (em duas doses) contra novas variantes já testadas”, escreveu.
PBH se posiciona
Em Belo Horizonte, a dose da AstraZeneca só não é mais aplicada que a da CoronaVac. Até o momento, a prefeitura local recebeu 700.676 vacinas fabricadas pela Fiocruz em parceria com a Universidade Oxford. Apesar disso, não há relatos de pessoas que evitam essa fórmula e preferem esperar por outra, como ocorre no Rio de Janeiro e São Paulo.
Questionada pelo EM, a Secretaria Municipal de Saúde de BH não respondeu se tem sido percebida alguma rejeição à AstraZeneca na capital mineira. Porém, informou que tem intensificado a sensibilização da população sobre a importância da imunização. “Todas as vacinas contra a COVID-19 em uso no país podem apresentar efeitos adversos, sendo a maioria absoluta classificada como leve. Os efeitos leves e transitórios podem durar de 24 a 48 horas e as equipes de vacinação são orientadas e preparadas para repassar todas as informações à população no momento da aplicação do imunizante”, informou a pasta, em nota.
Na fila
Moradores ouvidos pelo EM ontem em filas para a vacinação de pessoas com 59 anos – que inaugurou a imunização dos que têm menos de 60 independentemente de comorbidade ou pertencimento a grupos profissionais – demonstraram estar abertos à vacinação com a opção oferecida. A secretária Meire Lage, de 59, foi uma delas. Segundo ela, a eficácia da vacina é o que importa.
Vale lembrar que a vacina britânica teve sua eficácia e segurança comprovadas cientificamente. Em março, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) concedeu o registro para o imunizante ser aplicado no Brasil. “Se tem a vacina, todo mundo tem que tomar. Independentemente de ser a AstraZeneca, CoronaVac, ou qualquer outra, nós temos que tomar. Se você não tomar essa neste momento, qual vai tomar?”.
Tomar a AstraZeneca também não é um problema para o aposentado Sérgio Ricardo, de 59. Pelo contrário: para ele, a fórmula da Fiocruz/Oxford é a que mais despertou sua confiança. “Tomaria qualquer uma, tendo reação ou não”, disse o aposentado. *Estagiária sob supervisão da subeditora Rachel Botelho
Fonte: EM