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Notificações de apps viciam tanto quanto drogas

Redação9 de março de 202319min0
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Psiquiatra brasileira aponta que notificações, curtidas e rolagem infinita em redes sociais trazem satisfação, mas afetam o autocontrole

Já parou para pensar em como as notificações de aplicativos no celular afetam seu cérebro? A psiquiatra Julia Khoury já. Doutora em Medicina Molecular pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), ela pesquisa a dependência digital e conta que ela e colegas da UFMG perceberam que, em outros países, a dependência de smartphones já era comparada a vícios químicos e comportamentais.

Ela conta que isso ainda não existia no Brasil. Os pesquisadores, então, criaram um questionário para diagnosticar potenciais dependentes. “Reunimos pessoas com e sem dependência e as estudamos a partir de vários mecanismos: analisamos a forma como tomavam decisões, a maneira como faziam escolhas e, a partir de exames de ressonância magnética, o modo como isso se manifestava no cérebro.”

Segundo Julia, o grupo percebeu que dependentes de smartphone ativam a mesma área do cérebro quando usam o dispositivo que aqueles que têm outros vícios. “Esses indivíduos têm os mesmos viéses de comportamento de quem tem outras dependências”, explica. “Isso inclui, por exemplo, mais sensibilidade a recompensas rápidas e miopia para o futuro (quando o paciente prefere uma recompensa pequena que chegue logo do que uma maior que demore mais).”

Julia destaca que o principal conteúdo digital que causa dependência são as redes sociais. Mensagens, curtidas e notificações nessas plataformas ativam um neurotransmissor no cérebro, a dopamina, que é responsável pelo prazer. “Ela é descarregada na parte central do cérebro — que controla o sistema de recompensa do órgão. Essa região é estimulada por qualquer atividade que traga sensação de prazer e satisfação.”

Em dependentes, a dopamina é liberada de forma mais intensa e mais rápida. Com isso, as notificações fazem o paciente ficar cada vez mais conectado. “Isso faz que o indivíduo fique ávido por procurar o celular a todo momento”, diz. Assim, enquanto traz satisfação, afeta o controle dos impulsos.

E a dopamina vicia: com isso, a busca por ela se torna cada vez mais constante e recorrente. “Quanto mais ele entra em contato com esses estímulos e suas recompensas imediatas, maior a tendência de repetir o comportamento e sentir falta quando não está perto do celular”, comenta a psiquiatra.

Outra constatação é o prejuízo da função do córtex pré-fontal — a região da frente do cérebro. “Além de ativar a área de recompensa, a dopamina reduz a função do córtex pré-frontal, que regula comportamentos e emoções. Isso faz que o vício apareça e se perpetue.” O motivo é que o excesso do neurotransmissor pode afetar o controle de uso do celular.

Julia conta que essa área permite que o indivíduo consiga esperar pelas recompensas, bem como atua para inibir os demais estímulos para que ele possa se concentrar. “Esse é o mesmo mecanismo de quem tem dependência em outras drogas, como o próprio cigarro.”

Por isso, quando o dependente se afasta do aparelho, tem sintomas de abstinência: fica irritado, nervoso, ansioso e tem dificuldade de se concentrar em outras atividades até conseguir o aparelho de volta. Isso pode ocorrer, inclusive, quando o dependente está em uma região que não tem acesso à internet.

O paciente pode, ainda, apresentar comportamentos extremos, como ataques agressivos irracionais. “O vício pode mudar até a personalidade do indivíduo. Por isso o tratamento com psicólogo ou psiquiatra é importante em casos mais graves para impedir que chegue a extremos.”

Julia explica que a dependência está muito mais ligada à relação com o celular do que ao tempo efetivamente usando o dispositivo. “Alguns indivíduos usam o celular o dia todo para trabalhar e não têm dependência. Isso porque quando não precisa usar o aparelho, ele não tem necessidade de olhar para a tela o tempo todo. Ele pode fazer outras atividades, ter contato com a natureza e interagir com as pessoas sem precisar do celular por perto.”

Prejuízo ou sofrimento

Segundo a psiquiatra, para que um comportamento seja caracterizado como vício, ele deve trazer prejuízo ao indivíduo ou lhe causar sofrimento. “A dependência pode, por exemplo, atrapalhar o rendimento no trabalho e nos estudos ou afetar os relacionamentos interpessoais.” Nesses casos, o paciente deve procurar ajuda profissional.

Julia pesquisa o efeito das notificações de apps no cérebro

A especialista lembra que a primeira fase do dependente após a identificação do vício é a negação. “Quem percebe que o paciente está indo além do limite são familiares e amigos que estão próximos dele. Ele para de fazer atividades que fazia antes e quem convive mais com ele é que percebe primeiro que algo está errado”, destaca.

Nesse ponto, o indivíduo já tem uma dependência química, causada pela dopamina. “Um dos sintomas do vício é observar que ele causa prejuízos e, mesmo assim, não conseguir parar ou diminuir o comportamento”, aponta Julia. “O dependente tem uma perda de controle. E ele então não consegue voltar a ter autocontrole se não tiver ajuda.”

Independentemente de tratamento médico, entretanto, algumas medidas podem ser úteis. É o caso de apps que bloqueiam o uso excessivo de outros apps. “Esse mecanismo de controle externo ajuda a garantir que o dependente não perca a noção do tempo que dedica ao smartphone. É comum que ele pense em usar o período entre um compromisso e outro para verificar o smartphone e acabe se atrasando ou perdendo a próxima atividade.”

Outra estratégia sugerida pela psiquiatra é o planejamento do dia. “Isso evita que, em momentos de ócio, o celular seja escolhido. Vale selecionar atividades que não permitam o uso do aparelho: um esporte, uma tarefa relacionada a artes, uma prática de jardinagem, um exercício de dança, enfim, qualquer coisa que não estimule o contato com o dispositivo.”

Em momentos de lazer, vale a pena desligar as notificações para amenizar a necessidade de procurar o celular. Isso vai ajudar a aproveitar o ócio sem ter a interrupção desses alertas. Além disso, essa pausa ajuda o indivíduo a descansar a mente, bem como estimula a criatividade e o desenvolvimento do cérebro.

Para casos mais graves, o tratamento deve aliar acompanhamentos psiquiátrico e psicológico. “A terapia ajuda a identificar doenças associadas, como ansiedade, depressão ou transtorno do déficit de atenção com hiperatividade (TDAH). É preciso tratar a causa de base para cuidar de forma mais adequada da dependência de smartphone. Além disso, algumas medicações ajudam a reduzir o descontrole e os sintomas de abstinência.”

Parte do cotidiano

Como a tecnologia faz parte do dia a dia, é muito difícil afastar totalmente o dependente dela. “Existem clínicas e fazendas em que o aparelho é retirado dos pacientes por um tempo. Quando saem dessas unidades de tratamento, eles precisam adquirir hábitos mais equilibrados e conscientes de uso do smartphone.”

Como o uso de tecnologia é difundido, aceito e até incentivado, é muito mais difícil para o paciente manter o controle quando retorna para o ambiente em que o aparelho está disponível. “A tendência é recair, especialmente se não mantiver o tratamento e o estímulo a outras atividades.”

Em profissões que depende de engajamento (representado majoritariamente por comentários e curtidas em publicações), como a de influencer, pode haver maior tendência a esse tipo de transtorno. “Isso aumenta a chance porque quanto mais a gente realiza um comportamento, além de ele se tornar um hábito, ele tem maior tendência de se tornar um vício”, explica Julia.

Ela lembra que a diferença entre hábito e vício é a perda de controle. “Isso não significa, entretanto, que todos os influencers são ou serão dependentes: muitos têm controle e, quando não estão no celular, não sentem a necessidade de estar.”

Embora não existam estatísticas no Brasil, Julia destaca que o índice de recaída é alto. “A gente fala que elas fazem parte do processo de tratamento: elas são válidas, inclusive, para que o paciente identifique os gatilhos e evolua. O objetivo é que as recaídas sejam menos intensas e cada vez mais espaçadas, até que deixem de ocorrer.”

A dependência pode ocorrer em qualquer idade, mas crianças e adolescentes têm mais propensão a desenvolver vícios porque seu cérebro ainda é imaturo e o córtex pré-frontal ainda não funciona completamente. Com isso, a dependência se desenvolve mais rapidamente.

Quem está próximo de indivíduos que apresentam comportamento potencialmente negativo em relação ao uso da tecnologia, deve incentivá-los a fazer outras atividades e ajudá-los a procurar profissionais de saúde mental (psicólogo e psiquiatra). “Pais e responsáveis podem ensinar pelo e interagir mais, com a criação de zonas livres de tecnologia. Pode-se estabelecer, por exemplo, que o aparelho não pode ser usado na mesa de refeições.”

Julia estuda dependentes de smartphone

Dosagem adequada

Com a popularização dos aparelhos, é comum que os pais os apresentem cada vez mais cedo aos filhos — com a expectativa de ter mais controle sobre eles, já que estão muitas vezes em casa e podem ser monitorados com mais facilidade, e para poderem fazer suas atividades com mais liberdade. Isso, entretanto, pode ser prejudicial se não ocorrer da forma correta.

Julia lembra que as crianças aprendem a partir do exemplo dos pais. “Muitas vezes, os adultos reclamam que os filhos usam muito o celular, mas eles mesmos fazem isso. A criança imita esse comportamento.”

É importante, então, dosar a exposição de acordo com a idade. Até os dois anos, as crianças não devem ter contato com qualquer tela. Entre 2 e 6 anos, o ideal é que haja, no máximo, uma hora de uso recreativo por dia (isso exclui atividades escolares). Já entre 6 e 12 anos, duas horas diárias de uso recreativo. “Depois disso, o indivíduo precisa ter autocontrole e entende que o limite é aquele que não causa prejuízo.”

Assim como ocorre com outras dependências, o viciado em smartphones pode ficar à margem da sociedade. “Tive pacientes que pararam de frequentar a escola porque o celular era proibido na sala de aula. Ou iam para a escola e não frequentavam as aulas, ficavam no banheiro ou em outro local da unidade porque não conseguiam ficar longe do dispositivo. Tem quem pare de trabalhar porque não consegue produzir.”

O futuro, na opinião de Julia, pode trazer o equilíbrio. Para ela, a sociedade tem a tendência de se autorregular em relação a novas tecnologias. “Houve preocupação quando o rádio surgiu, depois quando veio a televisão e o mesmo vale agora”, aponta.

Mesmo atualmente, a maioria dos indivíduos consegue usar smartphones de forma controlada e equilibrada. “Só uma minoria se torna viciada. Com o tempo, os indivíduos passam a entender que outras atividades têm importância e a não deixar que o uso do celular atrapalhe outras áreas de suas vidas. Essa consciência vai sendo adquirida.”

Fonte: Itatiaia

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